Próprio Eu ~18/08/11

Posted by Carol Riff On 18.8.11 0 comentários
Os dedos finos correram pela superfície do espelho, enquanto os olhos capturavam cada detalhe do rosto, as maçãs coradinhas, os olhos bondosos e o sorriso amigável e simpático de alguém que estava sempre disposto a ajudar.

Sorriu. Era linda como uma bonequinha de porcelana, os fios morenos lhe caindo em cachos pelos ombros, a pele branquinha e lisinha quase sem imperfeições e o vestido feito do tecido caro com as rendas delicadas que lhe davam um ar ainda mais angelical. Atraía todos os olhares por onde passava e sorria diante deles.
Acenava levemente para as pessoas que lhe admiravam. Moças tagarelavam sobre sua beleza e a invejavam por parecer tão perfeita. Um anjo sem asas que andava sobre a terra.

Continuava fitando o espelho, notando que aos poucos a imagem se tornava embaçada e distorcida, só percebendo do que se tratava quando a primeira lágrima lhe desceu pela face, correndo rapidamente pela bochecha levemente corada e morrendo no tecido que lhe tomava parte do pescoço. E depois dela, muitas outras vieram, levando consigo a maquiagem perfeita que ela havia feito ao se arrumar.

Sentiu os joelhos tremerem, incapazes de sustentar o peso do corpo que agora parecia pesar toneladas, caindo no chão e sujando o vestido claro que vestira. Os soluços altos preenchiam o quarto silencioso enquanto ela sentia uma mão invisível comprimindo-lhe a garganta e roubando todo seu ar. Sentia-se sufocar, sufocar naquela mentira toda, sufocar naquilo que não era, naquilo que tentara ser e não conseguira.
E foi então que o milagre aconteceu.
O “CRACK” feito pelo espelho a assustou, e ela se ergueu rapidamente, ainda a tempo de ver sua imagem refletida no espelho rachado que criava uma imagem ainda disforme de sua figura outrora perfeita. A imagem de uma máscara caindo. Atônita, ela observou os pedaços rachados do espelho caírem no chão, se transformando em milhões de cacos que não pareciam lhe acertar.

Revelando-lhe alguém.

Recuou alguns passos, assustada com o que estava “atrás” do espelho. A menina rebelde lhe sorriu, sacudindo os cabelos castanhos parcialmente tingidos de vermelho, fazendo as correntes presas à calça jeans surrada produzirem um som. Fitou-lhe atentamente por alguns instantes, o olho adornado por um lápis preto e a boca por um piercing negro e a menina empalideceu.

A figura lhe sorriu debochada, balançando a cabeça negativamente e a menina finalmente notou o quanto eram iguais. O assombro foi diminuindo, enquanto aquela versão dela mesma lhe estendia a mão, em um pedido mudo.
Liberte-se”
E ela, munida de uma força que nem sabia existir, sem qualquer hesitação, segurou a mão de sua “gêmea” vendo-a sorrir acenando positivamente.
Seja você mesma”
A menina acordou sobressaltada, olhando e volta e notando o mesmo espelho intacto, sem nenhuma rachadura. Ergueu-se fitando aquela mesma imagem de antes, agora com a maquiagem borrada e torceu a cara levemente. Não queria aquilo, não mais.
Sorriu debochadamente, assim como se lembrara de sua sósia, enquanto as mãos se guiavam para o cabelo, soltando a trança que prendia os fios morenos, deixando-os caírem livres por suas costas. Seus olhos passearam pelo quarto, notando a pequena tesoura esquecida sobre a mesa.

E a mente brilhou em uma idéia.
Tomou a tesoura entre suas mãos e rapidamente a enfiou no meio dos fios longos e uniformes, começando a picotar tufos de cabelo em diferentes direções, sorrindo mais e mais com cada pedacinho que caía no chão. Ria como uma criancinha.

Fitou o vestido que usava, pomposo e caro, mais uma vez colocando sua tesoura para agir, transformando a máscara em um belo acessório. Os risos altos preenchiam o quarto, e logo sua mãe foi ver o que estava acontecendo.
Quase tendo um infarto ao ver aquela cena.
Dentro do quarto, uma menina com cabelos picotados, blusas largas e calça jeans, sorria de orelha a orelha, terminando de retalhar a saia de seu vestido. Expurgando toda aquela sensação ruim que lhe tomava o coração sempre que se via no espelho. Destruindo aquela máscara que ela já estava farta de usar. Quebrando a parede de vidro que a separava de sua essência.
Libertando seu próprio eu.

18 de Agosto de 2011

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