Os pés descalços caminharam pela
terra infértil, ouvindo o chão seco e sofrido estralar. Ao longo, podia-se
ouvir o crepitar do fogo que terminava de consumir o que um dia fora uma árvore
bonita e verde. A menina fitou ao redor,
sem conseguir mensurar até onde se estendiam os destroços daquela civilização.
Os machucados no corpo ardiam e o
calor que turvava visões só fazia tudo piorar. Ela se sentia sozinha, andando
no meio de uma cidade fantasma, com a roupa rasgada e os cabelos desgrenhados
demais para pentear. Não restara muita
coisa. Não havia porque pentear, no final das contas. Não havia motivo
algum para se preocupar com aquilo.
O corpo fraquejava e ela
deixou-se cair no chão formado por pedras e areia, sentindo a exaustão
castigá-la com muito mais força do que podia suportar. Quando aquilo havia acontecido? Tudo havia sido tão rápido! Tão
rápido a bela cidade havia virado pó! Tão rápido havia sumido naquela nuvem enorme
e multi-colorida de poeira!
Ela se lembrava, de estar andando
e de ter tudo, e de repente o tudo se transformar em nada, como um castelo de
cartas que sucumbe a força dos ventos. Ela
era a última carta. A última de muitas que haviam sucumbido. A última de
muitas que queimavam e se perdiam entre os destroços, banhando-os com sangue e
dor. Era desesperador. Ela não sabia
para onde ir. Para aonde se vai quando lugar nenhum é lugar?
Ela fechou os olhos e deixou a
imaginação voar. Sonhou com a grama verde e com rostos conhecidos e
sorridentes, que haviam ido embora,
sonhou com bichos e o canto dos pássaros,
que haviam se perdido no crepitar do fogo, sonhou com sua casa, que não passava de pedaços no chão e por
um segundo, apenas um segundo transportou-se para esse mundo bonito que criou,
permitindo-se sorrir, feliz. Tão
feliz que nem sentiu-se dormir e afundar, numa escuridão densa o suficiente
para não voltar.
Tempos dois, quando a coragem se
fizesse mais forte que a covardia, outras pessoas a encontrariam ali, no mesmo
lugar aonde havia se deixado estar, com o mesmo sorriso que sorrira antes de
deixar de estar naquele lugar. Com o mesmo sorriso provocado pela felicidade
extrema que se permitira sentir.
Com a felicidade que criara, em
seus últimos segundos, para guardar toda uma vida que não chegara a ser toda,
que dirá a metade.
A felicidade está nos
olhos e no coração de quem a vive.
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