A menina
entrou na sala e fechou a porta com força, a respiração ofegante de alguém que
havia corrido por uns bons minutos. Encostou-se a porta, deixando o corpo
escorregar por esta mesma até que estivesse no chão. Respirou fundo, tirando os
óculos de armação negra e larga do rosto, a mão tremendo sofrivelmente e as
lágrimas que tanto segurara finalmente transbordando.
Suprimiu os
soluços dolorosos que tentavam irromper de sua garganta, não choraria daquela
forma, pensou. Não daria a ele exatamente o que ele queria. Podia estar
quebrada e magoada, mas seu orgulho se tornaria o pilar substituto que ficara
após a demolição de sua confiança.
As palavras
cruéis do outro ainda ecoando em sua cabeça como uma canção macabra, as risadas
dos amigos dele e o deboche estampado em seus rosto marcado a ferro em sua
memória. Nunca havia se sentido tão pequena e boba, tão idiota e
insignificante! Apertou a saia com força, a raiva por conta da humilhação
tomando conta de si de forma avassaladora. Berrou alto, sabendo que ninguém ia
lhe ouvir, por conta do isolamento acústico que a sala tinha.
Ergueu-se,
ainda sentindo suas pernas tremerem um pouco. No rosto, o rastro do lápis preto
que colocara de manhã apenas para parecer mais bonita. Fitou-se no espelho do
local, os olhos vermelhos, a maquiagem borrada e a boca inchada. Sorriu
amargamente diante da própria aparência, mas não se ateve ao fato, desviando
seu olhar para o piano negro que a sala continha.
Caminhou a
passos lentos até o mesmo, os dedos escorregando delicadamente por cada tecla,
enquanto um meio sorriso surgia em seus lábios. Sentou-se diante do mesmo,
tocando uma das teclas e apreciando o som que lhe trazia um pouco de paz.
Fechou os olhos, enquanto os dedos pareciam ganhar vida e passear por conta
própria sobre as teclas do piano tecendo uma melodia calma e melancólica.
Lembrou-se
dos últimos acontecimentos, a música se tornando mais forte, mais agoniada, as
teclas pressionadas com ainda mais força. Os dedos se movendo habilmente,
preenchendo a sala do som que trazia uma aquarela de significados. Jogou a
cabeça para trás, o ritmo guiando seu corpo e confortando sua alma, um sorriso
doce e calmo nascendo em seus lábios.
Imersa na
melodia, nem sequer ouviu quando a porta da sala foi aberta de supetão, fazendo
um alto barulho. O menino parou diante do piano, igualmente ofegante, sorrindo
ao notar a expressão serena no rosto da menina. Puxou uma cadeira e assim
ficou, admirando o quanto ela era bela daquela forma, o quanto ela parecia
forte e confiante enquanto estava atrás daquele piano!
Quando a
música finalmente findou, se entreolharam, não precisando das palavras para
entenderem tudo que havia acontecido. E ali mesmo, sem nem proferir nada,
firmaram uma promessa, enlaçando os dedos mindinhos com sorrisos calmos.
Quando o grande dia finalmente
chegou, ela não podia estar mais nervosa, as mãos tremendo e a voz ameaçando
falhar, mas ele, como sempre, estava ali para lhe tranqüilizar. Disse-lhe
palavras de conforto e lembrou-lhe de quanto trabalho haviam tido para chegar
ali, afirmando sempre que não iam desistir. Ela assentiu, sentindo um arrepio
quando seu nome foi chamado.
Subiu ao
palco, o vestido azul claro com alguns brilhantes reluzindo às luzes do palco.
Passou os olhos pela platéia por um momento só, notando o mesmo olhar debochado
de antes, mas encontrando logo em seguida o olhar cálido daquele que estivera sempre com ela. Que a impedira de cair no abismo, segurando firme sua mão.
Respirou
fundo quando as luzes se apagaram e deixou os dedos deslizarem pelas teclas
brancas. Sorriu e fechou os olhos, perdendo-se no ritmo que ela mesma criou,
enquanto sua voz ganhava espaço, abrindo as bocas de muitos que a assistiam,
inclusive as dele. Abstraiu todo o
universo a sua volta, cantando com seu coração e alma, lembrando de tudo que
acontecera, de tudo pelo que lutara e de tudo pelo que passara.
Aquele era seu
momento.
Terminou a
música apenas com sua voz, ouvindo a chuva de aplausos que caiu sobre ela assim
que luz novamente se apagou. Levantou-se, a emoção tomando conta de si e as
lágrimas querendo novamente sair. Reprimiu-as, não querendo borrar sua
maquiagem e apenas fez uma reverência, sentindo sua alma lavada ao olhar o
rosto tão conhecido agora com um olhar extremamente incrédulo, de alguém que
não acreditava no que tinha visto e de que se arrependera do que tinha feito.
Sorriu abertamente para ele,
piscando levemente para o menino do sorriso gentil
que se encontrava atrás de suas cortinas, murmurando um agradecimento
repleto de emoção.
Ali, naquele momento ao som dos
aplausos, não mais se sentia pequena e insignificante. Ali as palavras cruéis e
o deboche se tornavam ínfimos demais para serem notados e o pilar de sua
confiança era finalmente restaurado, feito de um material tão forte e resistente
que nada seria capaz de quebrá-lo novamente.
Ali, seu coração
quebrado, finalmente voltava a ser inteiro.
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