Cinzas

Posted by Carol Riff On 6.8.12 1 comentários
          Rabiscou o papel sem muito interesse bufando em seguida. O café fumegante sobre a mesa, ao alcance de suas mãos pálidas enquanto a chuva batia forte em sua janela. No papel o começo de um desenho, um rosto sem expressão nenhuma emoldurado por cabelos longos e escuros que ela simplesmente não conseguia terminar. Podia chorar de frustração, fazia tanto tempo assim desde que fazia aquilo?

          Pensou nos últimos meses e pensou também no quanto estava cansada, no quanto sua vida havia se tornado difícil. Quem tivera a brilhante idéia de mascarar o lado mais feio da vida e só mostrá-lo agora? Sentia-se tão fraca e cansada que às vezes tinha vontade de sentar e chorar, mas sabia que não podia. Havia passado da época de chorar por qualquer coisa, os anos haviam passado e ela agora era uma mulher adulta. Adultos deveriam enfrentar seus problemas de frente não?

Porque raios parecia tão difícil?

          Fitou novamente o rosto sem expressão se lembrando de seus últimos desenhos antes de sua vida se tornar um caos. Eram todos sorridentes e tinham olhos brilhantes e esperançosos. Porque simplesmente não podia resgatá-los? Aonde seus sorrisos haviam se perdido? Quando respirar havia se tornado tão complicado e exaustivo? Quando havia se tornado tão amarga? Não sabia ao certo precisar, só sabia que estava insuportável, ao ponto de não aturar a si mesma.

          Largou o lápis com raiva e deitou-se brevemente sobre a mesa, as pálpebras pesando e se fechando lentamente. Sem perceber acabou dormindo...
Acordou com os raios de sol incomodando-a e resmungou qualquer coisa, extremamente irritada, esquecera a porcaria da cortina aberta! Abriu os olhos e se ergueu, assustando-se em seguida quando percebeu que não estava mais em sua sala monocromática, mas sim em um campo aberto com flores tão amarelas que seriam capazes de ofuscar-lhe a vista. O que havia acontecido? Moveu-se incerta notando que seus pés estavam descalços e o cabelo antes preso solto, balançando ao sabor do vento bem como o vestido branco que usava.

          Caminhou por um bom tempo, imersa na sensação de paz que aquele lugar lhe trazia. As flores dançando levemente junto a brisa e em um dado momento ela pôde jurar que uma música havia começado a tocar, vinda sabe-se lá de onde. Não era possível determinar, apenas ouvir. Fechou os olhos por alguns segundos, sentindo cada acorde da melodia entrar em si e tocar o ponto mais fundo de seu ser. Sorriu abertamente e assim ficou até sentir um toque gelado em seu pulso abrindo os olhos rapidamente devido ao susto acabando por assustar a pessoa que lhe tocara.

          A menina virou-se e apenas saiu correndo e ela sem pensar muito saiu em seu encalço, seguindo o rastro que os cabelos cor de ébano deixavam conforme a garota se mexia, procurando sumir entre todas aquelas flores. Queria gritar-lhe para parar de correr, mas por algum motivo sua voz não saía então apenas continuou correndo, notando que conforme se afastavam, as flores se tornavam menos amarelas e as cores pareciam sumir gradativamente.

          Demorou um tempo para que ela finalmente parasse de correr, as cores agora haviam sumido e o lugar parecia estranhamente silencioso, tanto que dava até agonia. A garota apenas apontou e seus olhos rapidamente seguiram a direção se arregalando com o que viram. Ali, no meio de todo aquele cinza, havia apenas um ponto colorido. Uma pequena flor amarela quase murcha que parecia lutar para sobreviver.

          Sem perguntar nada se aproximou, agachando-se do lado da flor e sentindo um estranho aperto no coração quase uma tristeza. Virou-se na direção da garota e se assustou novamente quando esta se abaixou ao seu lado, o cabelo cobrindo-lhe a expressão enquanto os dedos finos tocavam a flor tão frágil que parecia prestes a quebrar. Sentiu-se triste por ela e tocou de leve o ombro, vendo-a se assustar erguer a cabeça em sua direção. Subitamente sentiu seus olhos arderem e os coçou, vendo a menina se transformar em um grande borrão.

          “Está lutando bravamente para não ceder, mas ainda mantém sua luz...” –A voz soou baixa em seus ouvidos, como um sussurro e arrepiou todos os pelos de seu corpo. Quando abriu os olhos de novo suprimiu um grito de susto. A menina estava parada a sua frente e os olhos negros tão iguais aos seus estavam vidrados nos seus enquanto um sorriso travesso brincava em sua face. “Cuide bem de mim...” e em seguida tudo se transformou em um grande clarão.

          Acordou num sobressalto, derrubando todos os papéis que estavam sobre a mesa. Respirava ofegante, ainda afetada pelo sonho. Buscou os papéis no chão, remexendo-os freneticamente até encontrar seu último desenho incompleto, ainda sem nenhuma expressão. Fitou-os por alguns segundos e logo recomeçou a rabiscar mordendo a língua de leve enquanto deixava o grafite sujar o papel.


         Quando finalmente acabou, um sorriso travesso brincava em seu rosto. A menina agora tinha uma expressão, nem triste tampouco alegre demais. No rosto dela havia um sorriso tranqüilo enquanto seus olhos passavam determinação e até certo cansaço, assim como a expressão de que alguém que luta, mas se recusa a desistir, crendo que tudo dará no certo no final.

          A vida podia ser difícil e cruel na maioria das vezes, cansando-a e ofuscando sua luz e sua inocência, mas ela sabia ah se sabia, não iria deixar ambas morrerem por mais complicado que fosse de cuidar. Por mais árdua que a vida fosse, jamais deixaria que ela vencesse porque aquele era um jogo para dois e ela podia não ser a melhor jogadora, mas certamente era aquela que não desistia.
READ MORE