Coming Home

Posted by Carol Riff On 2.3.13 0 comentários

Os passos hesitantes ecoavam pelo silêncio na noite, o vento gelado sacudindo a poeira que se acumulava no chão, quantos séculos fazia desde que havia estado ali? Limpou como pôde a sujeira do rosto, sentindo um frio na barriga ao qual já estava acostumado, mas do qual ao mesmo tempo tinha saudade. Era um calafrio bom que percorria sua espinha. 

Fechou os olhos, se arrependendo imediatamente ao ouvir o barulho das explosões e dos tiros, o cheiro do sangue -agora seco- invadindo suas narinas e trazendo a sensação de náusea de volta, sensação essa que ele suprimiu, faltava pouco... Tão pouco! 

Deu mais alguns passos, a janela acesa já sendo detectada por seus olhos, longe, quase no horizonte, mas estava ali, como a muito ele não via. As cartas que ela mandara firmemente seguras entre seus dedos sujos, que também seguravam às de seus companheiros. Tantas vidas perdidas. A dor e o horror voltando de uma vez só, fazendo seu corpo inteiro tremer e novamente ele suprimiu as lembranças que insistiam em lhe assombrar, faltava pouco...

Já podia ver sua casa quase toda agora e logo sentiu a vista embaçar, tantas emoções aflorando juntas que ele apenas não conseguia controlar. Esperara tanto! Orara tantas vezes aos céus para que estivessem bem! Olhara tantas vezes para as estrelas sonhando que um dia estaria entre eles novamente, entre as risadas infantis que tanto amava. Entre os braços delicados com que tanto sonhara. 

Temera tantas vezes que -assim como os companheiros- dele só restasse uma carta com meia dúzia de palavras que jamais seriam capazes de expressar o quanto sentia saudade de casa. Temera terminar morto, afogado em seu próprio sangue ou até mesmo louco, sufocado por sua moral que escorria pelo ralo cada vez que um gatilho era apertado. Era desumano, era doloroso e acima de tudo injusto. Só podia rezar e pedir a Deus para lhe perdoar.

Como afinal determinar o lado certo de uma guerra?

E quando finalmente estava diante de sua casa, deixou-se cair de joelhos no chão. As lágrimas rolando pesadas por seu rosto, a fraqueza que ele tanto escondera finalmente aparecendo, sugando-o. Suas forças esgotadas , sugadas pelos horrores da guerra. O sofrimento corroendo a alma já ferida enquanto a voz aumentava mais e mais, como um grito doloroso de uma mãe que perde seu filho.

E ela, -ah... que saudade dela!-  o ouviu.

Não soube como, nem porque, mas simplesmente ouviu-o, os pratos que carregava indo ao chão, o cachorro velho se levantando e começando a latir enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. Correu para a porta, abrindo-a sem mais demora, sentindo o chão voltar a estar sob seus pés novamente, pois há muito havia sido lhe tirado. 

Correu, novamente correu, com tudo que pode, as crianças berrando atrás de si e acompanhando seu passo enquanto ela simplesmente se jogava contra o corpo forte que se sacudia em soluços violentos e ela o agarrou, apertando-o contra si com tudo, as lágrimas agora rolando por seu rosto alvo que se sujava contra a pele dele. Não muito depois os lábios se encontraram, a saudade tornando o momento mágico, quase irreal. O amor que os unia crescendo tanto que poderia engolir o mundo.

Logo as crianças vieram, escondendo-se atrás dela, temerosas com o "estranho" sujo que sua mãe abraçava tanto tempo... Ele as fitou, e elas finalmente entenderam quem estava diante de si, jogando-se contra o homem sujo, quase atirando-o no chão. E ele não se importou... Abraçou-as com força, com a mesma força com a qual jurara voltar vivo, aquela mesma sofrível, desesperada.

Sentiu novamente os braços dela ao seu redor e sorriu de forma verdadeira, pela primeira vez depois de muito tempo, falando baixinho para os três que significavam sua vida:

"Depois de todo esse tempo eu estou voltando pra casa para vocês"

Porque não importava o que ele fizera, nem o que deixara de fazer, podia demorar o tempo que fosse, mas ele sempre voltaria para sua casa, para seu lar, para o lugar aonde seu coração escolhera morar.




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